Entenda por que a sua sociedade limitada precisa sair do modelo de contrato social usado habitualmente pelos contadores
1. Introdução: O que é o contrato social?
Um contrato social é um documento legal que estabelece os termos e condições de uma sociedade limitada, definindo as obrigações e responsabilidades dos sócios em relação à empresa. Ele descreve elementos como o nome da empresa, seus objetos (atividades), a participação dos sócios, a estrutura de gestão e outros detalhes cruciais para o funcionamento da empresa.
Além disso, o contrato social é o primeiro passo para a criação de uma empresa, sendo necessário para a sua formalização. Somente após o registro do contrato social na Junta Comercial a empresa estará formalmente aberta e com o CNPJ ativo.
Nesse contexto, ele serve para estabelecer as bases legais e operacionais de uma empresa. Ele define como a empresa será gerida, como os lucros e perdas serão distribuídos entre os sócios, quais são as responsabilidades e direitos de cada sócio e outros aspectos fundamentais.
2. Cláusulas obrigatórias do contrato social
Segundo o Art. 997 do Código Civil apresenta quais são as cláusulas obrigatórias do contrato social:.
a) Qualificação dos sócios (nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas);
b) denominação, objeto, sede e prazo da sociedade;
c) capital da social (em dinheiro ou bens que tenham valor econômico);
d) a quota de cada sócio no capital social e como ela será paga;
e) a participação de cada sócio nos lucros
Geralmente, os modelos prontos param por aí. À primeira vista, parece mais que suficiente, afinal, a Junta aceita esses contratos sociais e os leva a registro sem grandes problemas. Acontece que o futuro é imprevisível, e o risco de se ver num beco sem saída é grande.
E se, de repente, um dos sócios tem o nome negativado e impede a empresa de conseguir um empréstimo? E se um dos sócios diz algo de errado e sofre um cancelamento? E se um dos sócios começa a contratar em nome da sociedade de repente? E se um dos sócios, infelizmente, vem a falecer, o que acontece?
Em todas essas situações, um contrato social genérico não solucionará o problema. Você será obrigado a ir ao Judiciário seja para excluir o sócio, seja para anular os atos do sócio que não tinha poderes de administração, seja para pedir indenização pelos atos lesivos à sociedade.
Depender do Judiciário, sobretudo em matéria empresarial, é uma péssima opção. É aí que entram em cena as cláusulas facultativas do seu contrato social.
3. Por que as cláusulas facultativas do contrato social são importantes?
Qual o grande problema de ter um contrato social genérico? Afinal, você nunca teve dor de cabeça com seus sócios. Bem, é desnecessário dizer que para tudo há uma primeira vez. Quando ela chegar, você não vai querer ser pego de surpresa. As turbulências são uma certeza. Cabe a você se preparar para enfrentá-las.
As cláusulas facultativas são as peças-chave para que você, sócio, esteja protegido e proteja também a sociedade. As relações formais devem refletir a realidade da sua empresa, e as cláusulas facultativas são o caminho para isso.
Agora, vou te mostrar quais as cláusulas facultativas mais importantes para o seu contrato social.
4. Principais cláusulas facultativas que o seu contrato social precisa ter
4.1. Atenção ao capital social.
Capital social é o investimento necessário para iniciar as atividades de uma empresa e mantê-la funcionando até que comece a gerar resultados, que poderá ser feito por meio de dinheiro ou de bens.
Nesse sentido, é necessário apontar um valor que se aproxime, ao menos, do que foi investido para dar início à empresa. Esse é um ponto que, se não observado, pode trazer problemas. Embora a lei não diga nada a esse respeito, o número ínfimo induz a fiscalização a pensar que você está escondendo algo. É preciso fazer, pelo menos, uma boa estimativa.
Nesse ponto, é importante também estabelecer valores de quotas que facilitem as deliberações. Valores como 50-50 são desaconselháveis porque geram litígios. Mais vale ter um minoritário com certas garantias do que travar a sociedade.
Outro aspecto a ser contemplado são os prazos e as formas de integralização do capital social. A legislação silencia sobre o tema e o contrato social dirá de que forma o dinheiro entrará no patrimônio da empresa.
O contrato social deve estabelecer como e quando o aporte vai entrar no caixa (à vista ou a prazo, em parcelas de valores diferentes ou iguais) e as penalidades para o descumprimento da cláusula. Assim, todos os sócios estarão cientes do seu dever.
4.2. Previsão da exclusão extrajudicial de sócio
Isso evita que seja preciso recorrer ao Judiciário, o que agravaria a crise já instalada. Cabe exemplificar, de forma detalhada, quais os atos que ocasionam exclusão.
Por exemplo, um sócio com o nome sujo pode impedir que a sociedade obtenha linhas de crédito. Se, dentro de um certo prazo, ele não se regulariza, havendo previsão no contrato social, a exclusão seria uma saída legítima.
A exclusão extrajudicial é importante para evitar que o estrago provocado por um sócio de má-fé ponha em risco a continuidade da empresa. Contudo, tome cuidado para que a exclusão não se transforme em uma mordaça dos sócios minoritários.
Para tanto, as infrações aptas a causar a exclusão devem ser listadas com cuidado. É preciso levar em conta os valores inegociáveis dos sócios. O que, em hipótese alguma, seria admissível para você? Omissões na administração, uso da empresa em benefício próprio, desvio de lucros? Ter essa hierarquia bem clara evita que injustiças aconteçam.
4.3. Administração da sociedade
Aqui, é possível delimitar quais matérias necessitam ser levadas à apreciação dos sócios para moderar os poderes do administrador. Dessa forma, evita-se a posterior responsabilização por excesso de poder ou mesmo culpa.
Vale lembrar que sócio e administrador não são sinônimos. Pode acontecer de uma mesma pessoa acumular as funções, mas elas são tratadas distintamente pela lei. Ao primeiro cabe aportar o capital e receber os lucros, ao segundo praticar os atos necessários à realização do objeto social (a atividade que a empresa exerce).
Em qualquer um dos casos, é imprescindível que o contrato social preveja os limites da atuação do (s) administrador (es).
4.4. regência supletiva pela Lei das Sociedades Anonimas.
Se optar pela regência supletiva pela lei das sociedades anonimas, você terá
mais facilidade em lidar com situações de exercício do direito de preferência, constituição de reserva de capital ou de órgãos de governança. As sociedades anônimas são empresas de grande porte e com litígios complexos, logo a Lei das S/A se preocupa em disciplinar com detalhe as matérias.
Portanto, você disporá meios de resolver problemas que surgirem no dia a dia sem recorrer ao Judiciário necessariamente. Dessa forma, os investidores verão que a sua empresa tem potencial de crescimento e está preparada para alçar voos mais altos.
Por outro lado, caso não exista essa previsão expressa no contrato social, sua sociedade limitada seguirá a regra geral de regência subsidiária pelas normas das sociedades simples, nos termos do art. 1.053 do Código Civil, que são muito mais engessadas.
4.5. Quóruns diferenciados para matérias específicas.
Dessa forma, você garante que as matérias vitais para a empresa ganhem legitimidade por contar com um percentual maior de aceitação. Quóruns diferenciados são uma segurança contra manobras movidas por interesses de ocasião. Além disso, estimulam o diálogo entre os sócios, a fim de atingir uma solução satisfatória para todos.
4.6. Distribuição desproporcional de lucros
Em regra, a participação nos lucros obedece à percentagem de quotas que o sócio possui. Se você detém 50% das quotas de uma LTDA, terá direito à metade dos lucros apurados dentro de um exercício (1/1 a 31/12).
Todavia, conforme diz o art. 1.007 do Código Civil, os sócios podem estipular uma distribuição que siga critérios diversos. Caso um dos sócios traga mais clientes para a sociedade, seria possível conceder a ele uma participação nos lucros maior que o percentual das suas quotas.
Se houver a opção pela distribuição desproporcional de lucros, é bom deixar explicado, por alto no contrato social, sobre quais critérios ela irá se basear.
Suponhamos que o número de clientes fechados fosse o critério, caberia inserir a seguinte cláusula: “a distribuição de lucros será desproporcional, de acordo com o critério de captação de clientela”.
O detalhamento poderá ficar para o acordo de sócios, com o alinhamento das metas e das métricas pelas quais o desempenho do sócio será mensurado.
4.7 Reuniões e assembleias.
Discutir o futuro da empresa é algo fundamental, e nem sempre as situações esperam. Portanto, a instituição de deliberação permanente em grupo de whatsapp com prazo para manifestação, por exemplo, pode ajudar a dinamizar a tomada de decisões.
Convém estabelecer também se o silêncio vale como aprovação ou rejeição, a fim de evitar possíveis desentendimentos. Prever a realização de reuniões à distância também é uma medida necessária para evitar problemas de agenda.
4.8 Apuração de haveres.
Apurar haveres significa identificar o valor cabível a um sócio que está saindo da sociedade. Essa saída pode se dar por vários motivos, como retirada imotivada (saída sem justificativa), exclusão por falta grave ou morte, por exemplo.
De acordo com a regra geral do Código Civil, esse valor será levantado de acordo com a situação patrimonial da sociedade, conferido em balanço especialmente levantado. Além disso, há previsão de que o pagamento deverá ocorrer em até 90 dias após a liquidação.
Seguir essa regra geral pode significar a falência da sociedade. Primeiro porque o critério de definição dos haveres pode não fazer jus à realidade da empresa, segundo porque o prazo de 90 dias é extremamente curto para a realização desse pagamento.
Apesar disso, o Código Civil autoriza que o contrato social preveja regras diferentes para a apuração dos haveres. Nesse cenário, convém estipular o prazo e o número de parcelas em que serão pagos, bem como qual será o critério adotado.
Além disso, é possível estipular critérios diferentes para situações diferentes. Por exemplo, se um sócio é excluído por falta grave, pode-se adotar um critério menos vantajoso. Se, por outro lado, ele exerce a sua retirada de forma amigável, poder-se-á adotar um critério mais vantajoso.
Com essa estratégia, você evita que a decisão sobre o critério caia na regra legal, nem sempre favorável.
Disciplinar o pagamento dos valores devidos ao sócio no momento da saída livra a sociedade de arcar com os custos de um pagamento à vista. Afastar-se da solução dada pela lei, nesse caso, é uma questão de sobrevivência.
5. Conclusão: ter um contrato social sob medida faz a sua empresa se destacar
O contrato social bem redigido é a primeira etapa de profissionalização de governança em uma empresa. Ter um contrato que preveja claramente as regras do jogo pode evitar, e muito, os desentendimentos entre sócios. Desentendimento que, na maior parte das vezes, levam a empresa à falência.
Se você empreende e já teve problemas com sócios, sabe do que eu estou falando. Entrar num conflito cujo resultado depende de um terceiro que jamais abriu um CNPJ é imprevisível. Tenho certeza de que imprevisibilidade é a última coisa que você quer.
De início, o advogado parece um custo muito alto, mas as ocasiões de desentendimento mostram as vantagens de saber como agir, pois está tudo escrito. Não há o que questionar, foi a vontade dos sócios que prevaleceu.
E por esses motivos que citei, além de vários outros não citados, você deveria ter um contrato social bem feito para sua sociedade limitada.
Originalmente publicado em: Jusbrasil